terça-feira, 28 de abril de 2009

Planeta Chocolate, Explosão de Caramelo



Como já disse antes, sou uma chocolatra assumida. Tenho crises capazes de me deixarem de mau humor pela falta do cacau no meu organismo.

Além disso, adoro trabalhar com o chocolate. Colocar o chocolate no ponto, fazer “
moulages”, transformar o chocolate em escultura... Mon Kiffe!!!

Mas o que eu mais amo são as surpresas inesperadas à primeira dentada. Tu nunca sabe o que vai encontrar...

Há quatro meses na
Pâtisserie Lac ainda não tive a oportunidade de trabalhar na chocolaterie, apesar de estar sempre circulando por la. Unindo isso à uma louca vontade de criar novas receitas, eu e a Fanny, minha colega francesa Chez Lac pedimos a autorização a Pascal, o boss, de utilizarmos o laboratório fora das horas de trabalho para testar nossas idéias.

Para nossa surpresa ele nos permitiu trabalhar no laboratório sempre que quisermos além de nos dar o direito de utilizar todos os produtos e equipamentos necessários. Um verdadeiro sonho para duas apaixonadas por pâtisserie que têm mil idéias na cabeça a colocarem em pratica.

Assim sendo, reunimos nosso amor por pirulitos, chocolate e caramelo, criando “
les sucettes au chocolat”. Já havia feito a experiência de rechear bolinhas de chocolate com caramelo na escola com a Laëtitia, quando criamos nossa sobremesa para o restaurante Saison. Porém queria muito realizar as bolinhas em forma de pirulito, o que parecia mais complicado sem os materiais necessários.
Idéias concretizadas, testes feitos e aprovados!





Le Caramel à la Fleur de Sel

Sou alucinada por caramelo. Depois que descobri o caramelo ligeiramente salgado posso dizer que virei uma amante dele. Antes de passar a receita que vai rechear as bolinhas de chocolate gostaria de passar algumas informações que tirei do livro “Larousse des Desserts” do Pierre Hermé, que podem ajudar na manipulação do açúcar.



Cozido à seco, o açúcar começa a se dissolver à mais ou menos 160°C, se transformando em caramelo à 170°C e começa a queimar em torno de 190°C, o que lhe deixa com um sabor amargo.

A cocção do açúcar deve ser feita progressivamente, de preferência numa panela de fundo grosso ainda melhor de cobre, super limpa. É melhor optar pelo açúcar branco refinado que é mais puro e corre menos risco de cristalizar.

A cocção do açúcar deve começar à fogo baixo, aumentando a temperatura quando o açúcar começar a se dissolver.

Nosso objetivo era obter um caramelo nem muito liquido nem muito consistente. Queríamos morder as bolinhas e sentir uma explosão de caramelo na boca.

Minha receita de base é super simples, o dobro de açúcar quanto à quantidade de creme fresco. No laboratório utilizamos o glucose, um glucídio fabricado a partir do amido do milho. Muito usado na pâtisserie, ele serve para estabilizar e melhorar a textura de sorvetes, além de evitar a cristalização do açúcar como em nougatines, balas, marshmallows. Sabendo que o glucose é utilizado normalmente por profissionais vou passar minha receita básica de caramelo.

Você vai precisar:
100g de açúcar refinado
50g de creme de leite fresco
Uma pitada de flor de sal
Uma fava de baunilha (opcional)


Cortar a fava de baunilha ao meio, retirar os grãos com a ponta de uma faca. Reservar.
Numa panela, esquentar o creme de leite fresco e retirar do fogo ao ferver.
Em uma outra panela cozinhar o açúcar, o sal e a baunilha a seco até que ele obtenha uma cor marrom dourada.
Interromper a cocção despejando o creme fresco no caramelo em pequenas quantidades, mexendo sempre.
Cozinhar até que o creme fresco esteja homogeneamente misturado ao açúcar.




Despejar o caramelo num recipiente passando por um chinois ou uma peneira, retirando as favas de baunilha.



Deixar esfriar antes de utilizar.


Bolinhas de Chocolate



Para obter um chocolate sólido, brilhante e fácil à retirar das forminhas é necessário tempera-lo. Para isso devemos seguir uma curva de temperatura, conhecida como “curva de cristalização”, passando por três etapas bem precisas.
Esta curva muda conforme o chocolate utilizado, sendo meio-amargo, ao leite ou branco. Para confeccionar as bolinhas utilizamos o chocolate Valrhona Extra Bitter à 61%, já que o caramelo é bem doce.

Temperando o Chocolate...
Você vai precisar:
300g de Chocolate Meio-Amargo

Picar o chocolate em pequenos pedaços. Colocar 200g do chocolate à derreter em banho-maria. Mexer com uma colher de pau para que ele derreta homogeneamente. O chocolate deve chegar à 55°C.



Retirar o chocolate do banho-maria. Adicionar as 100g de chocolate restante ao chocolate derretido. Colocar o recipiente sobre uma vasilha com pedras de gelo (muito cuidado para não deixar entrar água no chocolate. Como dizia Chef Cordonier, “a água é o maior inimigo do chocolate”!). O chocolate começara a endurecer nas bordas, por isso é importante misturá-lo com freqüência. A temperatura do chocolate deve baixar à 27°C .
Quando o chocolate cristalizar à temperatura ideal, recolocar o recipiente no banho-maria até atingir uma temperatura entre 30°C e 33°C.
Para saber se o chocolate esta na temperatura certa para ser trabalhada basta encostar um pouco do chocolate num pedaço de papel ou mesmo numa faca e coloca-lo alguns segundos na geladeira. Se ele endurecer rapidamente, estiver liso e brilhante, o chocolate esta na temperatura ideal para ser trabalhado.

Para confeccionar as bolinhas nos servimos de forminhas semi-esféricas onde despejamos o chocolate temperado.

Em seguida viramos a forma contra uma grelha retirando o chocolate em excesso.



Quando o chocolate começou a esfriar viramos novamente a forma e retiramos o excesso com uma espátula em inox, afim de deixar as bordas bem lisas.



Após colocamos as forminhas na geladeira por mais ou menos dez minutos, o tempo do chocolate esfriar.
Decidimos que a primeira camada deveria ser fina, pois precisaríamos repassar as bolinhas no chocolate derretido após rechearmos com o caramelo.
Ao retirar as forminhas da geladeira, descolamos o chocolate, e recolocamos na mesma forma para facilitar a manipulação.




Recheamos as cascas com caramelo.



Para mudar a textura optamos por amêndoas, avelãs e nozes caramelizadas que colocamos em meio ao caramelo de algumas das bolinhas.



Passamos alguns minutos no congelador, tempo que o caramelo endureça.




Montagem das Bolinhas
Com uma forma quente, que colocamos poucos segundos em um forno em alta temperatura, derretemos rapidamente as bordas das bolinhas a fim de colar as semi-esferas.




Com a ajuda de um utensílio da chocolaterie, que esquentamos com fogo, perfuramos a bolinha de chocolate.




Introduzimos o bastão com a ponta coberta de chocolate temperado. Em seguida utilizamos um spray que faz o chocolate endurecer logo em seguida para mantermos os bastões na vertical.



Fincamos os pirulitos no isopor para que a primeira camada endurecesse. Mergulhamos as bolinhas novamente no chocolate temperado para corrigir as imperfeições causadas pelo bastão. Assim estávamos prontas a encarar nossa parte preferida, a decoração! Nos servimos de folhas de ouro, de grãos de flor de sal, de pó alimentar dourado e de amêndoas picadas para diversificar as bolinhas.



Não tenho palavras para demonstrar minha paixão por esses pirulitos. A mistura do chocolate meio-amargo com o doce do caramelo e o toque levemente salgado da flor de sal fazem um mix perfeito!



"Ne buvez que cette eau, vivez avec du chocolat."
Stendhal, la Chatreuse de Parme, 1839

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Institut Paul Bocuse - Parte I

Rigor, exigência, competição. Pra mim são as três palavras chaves que traduzem meus dois últimos anos no Institut Paul Bocuse. Não poderia deixar de falar sobre a escola que abriu as portas para minha profissão e, principalmente, para minha vida.



O IPB, é considerado uma das melhores (senão a melhor) escolas de gastronomia do mundo. Só estando la para se dar conta disso... Localizada em Ecully, à poucos minutos de Lyon, capital da gatronomia francesa, a escola encontra-se ligada ao Château du Vivier, um Castelo do século XIX legitimo de contos de fada.



A partir do momento que tu coloca teus pés nessa escola como estudante tua mente não consegue mais se orientar para outra coisa. Tu respira, tu vive gastronomia 24h do teu dia. E tu te apaixona, porque é uma das mais belas profissões que existe.

Acho que nunca encontraria no Brasil uma escola com tantas exigências, capaz de te colocar na linha e te fazer rever teus conceitos sobre educação, respeito e aceitação, de si mesmo. É um trabalho psicológico onde todos os dias teus professores e coordenadores te fazem pensar se é isso mesmo que tu quer para tua vida. E eles te colocam uma grande pressão para que tu tenhas certeza. Além de tocarem no fundo dos teus pontos fracos, afim de que tu passes por situações inaceitáveis, mas que te farão crescer, interiormente.

O primeiro ano é o mais tranquilo de todos. Porém tu já te da conta do que esta por vir. As regras são claras e tu só tem a respeitá-las. O rigor vai desde o uniforme branco, que deve estar sempre impecável, ao silêncio de uma turma inteira hipnotizada diante à demonstrações praticas dos Chefs.




Il faut tout goûter!
No primeiro ano a maioria das aulas são praticas. O contato com a cozinha é constante e o aprendizado é focado nas bases clássicas francesas. Cada semana as aulas são orientadas à um tema especifico, como carnes, aves, peixes, padaria ou pâtisserie. O melhor de cada aula é que cozinhamos o dia inteiro e ao fim degustamos tudo o que preparamos. E sim, il faut tout goûter! Não existe fazer cara feia diante dos pratos, mesmo sendo repleto de miúdos, temos que experimentar.

Quantas vezes vi aluno correndo pro banheiro apos degustar cérebro, timo (uma glândula na base do pescoço) e cabeça de vitela. Na verdade os Chefs ficam irritados ao verem um aluno torcendo o nariz diante um prato, sendo capaz de tirar pontinhos da nota final da semana por recusar a experimentar produtos até então desconhecidos.

A escola tem três refeitórios que os alunos podem escolher onde almoçar. O
F&B é o restaurante principal da escola.



Cada semana um grupo de cinco alunos comanda o menu, que conta com uma entrada e prato principal, à servirem 300 pessoas. É super divertido, pois cada semana tem temas que valem nota e temos que colocar em pratica. No segundo ano, por exemplo, temos que escolher um produto e fazer uma "déclinaison", ou seja, criar variantes sobre o mesmo produto e coloca-lo duas vezes na entrada e três ou quatro vezes no prato principal em formas diferentes. Para quem esta almoçando pode ser enjoativo, ainda mais se o produto escolhido não vai ao seu gosto. Mas para os estudantes que se encontram atrás dos fogões é uma experiência e tanto. Só pelo fato de podermos experimentar diferentes cocções e temperos com um mesmo produto, criamos a oportunidade de expandir nossos conhecimentos e de criar como bem entendemos.



O segundo restaurante é o Mélibar, que conta com 20 lugares e é necessário fazer uma reserva no inicio do dia. Eu adoro o sistema de serviço do Mélibar, onde, em um mesmo prato encontra-se entrada, prato principal, queijos e sobremesa, sem contar a taça de vinho que nos deixava alegrinhos para encarar a aula depois do almoço.



O terceiro restaurante, En Scène, é realizado pelos alunos de hotelaria, que colocam em pratica a apresentação de cortes de carnes e peixes diante o cliente.



Mas é no Château du Vivier (o castelo da escola) que se encontra o restaurante mais classe de todos. Chamado "Saison" é o restaurante de aplicação, aberto ao publico. Comandado pelo Chef Lecossec (um MOF , Meilleur Ouvrier de France, e Presidente des "Toques Blanches Lyonnaises") acompanhado de um grupo de cinco estudantes que muda todas as semanas. É um trabalho árduo para um Chef do seu padrão em conseguir manter a qualidade trocando sua brigada constantemente.



Dizem que se não fosse um restaurante de aplicação teríamos fortes chances de obter no mínimo uma estrela no Guia Michelin. O serviço é todo à la carte, com duas opções de menus que variam conforme a estação do ano. Ao começar a semana o aluno pode escolher em qual posto vai ficar: entrada, peixes ou carnes. No primeiro ano são duas semanas em cozinha e uma em serviço. Os alunos que estão na sua “Semana Saison” trabalham das 9h às 15h30 e recomeçamos serviço da noite às 17h30, chegando a terminar à meia noite. Sem duvidas é a semana de “aula” mais pesada, mas é interessante porque te ajuda a entrar no ritmo de trabalho que os estágios proporcionarão.



Falando em serviço, são os próprios alunos de hotelaria que lhe concretizam. Sabendo que o IPB conta com estudantes de mais de 40 nacionalidades diferentes é engraçado ser servido por um asiático ou um latino que mal sabem falar francês e que tremem dos pés à cabeça ao terem que citar nomes de queijos e vinhos diante aos olhos dos professores que observam sua atuação. Pois claro, no fim da semana vai contar na nota final...

O mais legal do Saison, é que no terceiro ano fazemos um "challenge" entre grupos de alunos, onde temos o dever de criar o menu do Saison. A partir de produtos selecionados por professores, criamos nossas próprias receitas, inventando os pratos a fim de competirmos com os outros grupos de alunos. Apos três meses de preparações nos encontramos diante de um júri gastronômico que ira degustar e dar uma nota para cada prato. Assim, apos todos os grupos passarem pelo júri o menu é escolhido e certos alunos poderão ver no Menu de um restaurante gastronômico suas próprias criações.




A mesma coisa acontece com a pâtisserie, onde eu e a Laëtitia, minha eterna companheira de projetos em dupla, tivemos nossa sobremesa selecionada para entrar no menu. Posso dizer que é uma grande realização ver teu próprio invento sendo apreciado pelos clientes que se deliciam de olhos fechados. Cada comanda que passava com a nossa sobremesa davam palpitações no coração. E é ai que tu te da conta da beleza dessa profissão..




Tu descobre que a comida mexe com teus sentidos. Tu sente o cheiro que evapora de cada alimento que acabou de ser cozido. Se tu fecha os olhos e te concentra de verdade nesse momento tu consegue encontrar aromas que te trazem emoções, fazendo que um simples jantar se transforme numa experiência de vida. Tu tem a impressão de poder escutar de dentro da tua boca cada elemento degustado. As ervas fritas que "croustillent" entre os dentes, o barulhinho de uma colherada de sopa quente que queima os lábios, o "ploc" de uma bolhinha de chocolate recheada de caramelo que explode na boca, fazem transformando uma refeição numa sinfonia gastronômica.

Enfim, comer é um prazer necessário. É uma descoberta de emoções.

Continuarei a trajetória do Institut Paul Bocuse em outro post, porque existe muita historia pra contar...


quarta-feira, 1 de abril de 2009

Overdose de Sucre à Cannes...

Semana passada eu e a Fanny fomos para Cannes visitar uma boutique pâtisserie chamada L'Atelier de Jean Luc Pelé.

O que eu mais amei foi a localização do laboratorio, logo atras da boutique, todo envidraçado, dando aos clientes a oportunidade de ver os ouvriers trabalhando.

Quando dei de cara com a vitrine, a primeira coisa que me chamou a atenção foram as tortas de framboesa quadradas, com uma frangipane de pistache exatamente como faziamos no Pain de Sucre em Paris.  Por isso não poderia deixar de experimentar. De cara tu ja percebe que a qualidade não é a mesma, mas não deixa de ser deliciosa!


Além das tartelettes, eles produzem verines,  éclaires, millefeuilles e poucas entremets. 

La Créme Brulée à la Vanille...


Les Macarons...

Ah, os macarons!!! Fazia tempo que eu não comia um tão gostoso. Daquele jeito que eu gosto, com a casquinha crocante, macio na boca e com uma verdadeira ganache. 

Embarcamos com a gente oito sabores: Maracuja com Manjericão, Baunilha (como uma ganache chocolate branco divina!), Banana com Canela, Cereja, Caramel au Beurre Salé, Figo, Côco e Framboesa. 

Além de pâtisseries eles também confeccionam chocolates de varias origens.

Levamos três pâtisseries para casa para degustarmos com toda calma do mundo enquanto observavamos todos os detalhes sobre cores, sabores e texturas...
Assim começamos pela Tartelette aux Fruits Rouges e sua Frangipane de Pistache. Exatamente como eu esperava, o creme estava bem leve, deixando predominar o gosto das frutas.

Nossa segunda degustação, minha preferida, foi uma Verine Exotique. Composta de um Créme Brulée de baunilha no fundo, com framboesas e lichias frescas no interior, cobertas com um mousse de framboesa. Adoro quando encontro "surpresas" escondidas entre mousses, proporcionando uma diferença de sensações na boca. So ficou faltando um biscuit nomeio, que daria uma camada a mais na estrutura da sobremesa.

A ultima sobremesa era uma Verine Fleur de Sel, feita com um Créme Brulée ao Chocolate no fundo, uma fina camada de Praliné com Fleur de Sel ao meio e finalizada por um Chantilly de Chocolate ao Leite. Uma explosão de chocolate na boca com muita leveza, como eu adoro! Au Top!


Doce, a vida anda doce...